"QUANDO EU TE ENCANTO, NÓS FICAMOS NO MESMO PÉ DE IGUALDADE": CONCEIÇÃO EVARISTO EM PRIMEIRA PESSOA
- Flup Festa Literária

- 1 de ago.
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Conceição Evaristo nos recebeu para uma conversa olho no olho, daquelas que atravessam. Nascida em uma favela da zona sul de Belo Horizonte, ela transformou sua trajetória de empregada doméstica, professora e pesquisadora em matéria-prima para obras como Ponciá Vicêncio (2003), Becos da Memória (2006), Olhos d'água (2014), Canção para ninar menino grande (2018), entre outros. Em contos e poemas marcados pela Escrevivência, Conceição tece com firmeza e afeto as experiências do povo negro, sobretudo das mulheres. Conversamos com ela sobre reencantar o mundo, a potência do mangue e o samba. Leia abaixo.
Como a senhora enxerga o papel da escrita, da palavra e da arte nesse movimento de reencantamento?
O melhor modo de reencantar o mundo é, justamente, com a arte. E como eu sou da literatura, é lógico que vou dizer da arte literária — mas tem várias maneiras. A dança pode ser uma maneira de reencantar o mundo, a música, o teatro… E se você pensa na música e no teatro, está pensando também na arte da palavra, porque a arte da palavra tá ali, no fundo, estruturando a palavra. A palavra é musicada. E quando Sueli fala que reencantar o mundo supõe uma ação política, é sair do plano da esperança. Aí a gente pensa também no Paulo Freire, no verbo esperançar. Então eu acho que a arte tem essa potência de convocação — você sai do seu lugar para encantar, para seduzir o outro, no bom sentido. Porque, quando eu te encanto, nós ficamos no mesmo pé de igualdade. E eu acho que a arte pode, e precisa, fazer isso.
O manguezal é um lugar de fronteira, onde tudo se mistura — mar e rio, doce e salgado. Sua escrita também habita entre-lugares. Como a senhora enxerga esse espaço da mistura como potência literária e política?
À primeira vista, você pode olhar o mangue como um lugar conturbado, como um lugar sujo, como um lugar inóspito. E eu gosto muito dessa ideia daquilo que não se revela à primeira vista, mas de toda a potência que está ali guardada. O mangue tem forças — inclusive forças de afogamento. Então, o silêncio tem força. Porque o silêncio, eu sempre penso também, é um lugar de preparação para você ser. Pode ser que o mangue seja também um lugar de guardar a potência, para quando você se expõe. Você se esparrama. Você se esparrama de verdade, mostrando que chegou.
Você pode pensar o mangue também como um lugar em que as vidas estão submersas — e aquilo que está submerso, quando aflora, aflora com uma força que também é assustadora.
A Flup está lançando o Mora na Filosofia: um processo formativo baseado na Escrevivência do Samba. O que é o samba para a senhora? Tem samba na sua escrita?
Eu acho que pode falar que tem samba na minha escrita, sim. Porque, se você pensa o samba como um lugar próprio de discurso do povo — o lugar do recado, o lugar da afirmação, da crítica social, da reescrita de uma outra história, ou dessa história que foi apagada — o samba, pra mim, ao mesmo tempo que é um discurso de denúncia, é também um discurso onde se vive também a esperança.
Acho que o povo, quando denuncia, não faz uma denúncia vazia. Denuncia porque quer preencher de uma outra forma. E talvez você possa pensar o samba exercendo esse lugar de poder dizer. É um lugar onde você pode dizer. A letra do samba — de muitos sambas — vai dizer, por exemplo, o que a história não disse. Então, é um lugar de poder dizer.








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