O PRETOGUÊS DO BRASIL PULSA NA 15ª FLUP
- Flup Festa Literária

- 1 de set.
- 3 min de leitura

Por Isabella Rodrigues
O Brasil fala português, mas não o de Camões.
Fala o “pretuguês”, expressão que, segundo Lélia Gonzalez “nada mais é do que a marca da africanização do português falado no Brasil”. Um mosaico de vozes africanas e indígenas, coladas à carne por séculos de escravidão, colonização, luta e invenção.
Vieram de idiomas bantus palavras como moleque, dengo, cafuné, caçula, cachimbo, bunda, farofa, muvuca, samba, e tantas outras, como senzala e quilombo. Do tupi e de outras línguas nativas chegam, por exemplo, pipoca, abacaxi e tapioca. Cada uma delas é memória viva da diáspora, entranhadas ao português do Brasil.
A entonação que canta, a sintaxe que subverte a norma e o léxico diverso formam um idioma vivo; parentesco que se reconhece também nos crioulos do Caribe, igualmente moldados pelo ritmo e pela memória africana.
Essa língua é mangue: berçário de diversidade que se nutre do barro da colonização, mas renasce a cada maré em samba, rap, funk, carimbó, maracatu. Como no mangue, resíduos viram adubo e raízes se entrelaçam sob a superfície, tecendo redes invisíveis que sustentam a vida.
O pretoguês é uma dessas raízes, uma Escrevivência que respira mesmo em solo hostil, trazendo inteligência para germinar, resistir e reencantar o mundo. Neste ano, com o tema “Ideias para Reencantar o Mundo: Escrevivências, Sonhos e Batidões”, a Flup convida você a sentir e espalhar a pulsação da vida e da criatividade. De 19 a 23 e de 27 a 30 de novembro, em Madureira, venha celebrar conosco a força do pretoguês e das culturas populares — entrada gratuita.
É o português atravessado por mais de 3 000 palavras de origem africana, moldado pelo canto das línguas bantu, pela cadência do maracatu, do carimbó e também do samba. Mas esse legado, alimentado por quase cinco milhões de africanos e indígenas escravizados entre os séculos XVI e XIX, tende a ser invisibilizado nas narrativas oficiais, academias e manuais de gramática.
É como se a língua falada aqui precisasse caber numa “pureza” colonial fabricada, que apaga as marcas de quem a construiu. Mia Couto lembra: “O idioma português não é a língua dos moçambicanos. Mas, em contrapartida, ele é a língua da moçambicanidade”. Amílcar Cabral, de forma irônica, diria: “A língua portuguesa é a melhor coisa que os tugas nos deixaram”.
Segundo o Atlas da Língua Portuguesa, a população dos países africanos de língua portuguesa deve chegar a cerca de 395 milhões em 2050 e ultrapassar 520 milhões em 2100, projetando o português como uma das seis línguas mais faladas globalmente.
Hoje, o Brasil tem cerca 218,3 milhões de habitantes, enquanto os países africanos de língua portuguesa somam cerca de 81,9 milhões de falantes em Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial e São Tomé e Príncipe.
Essa discussão ganha força em 2025, quando o Rio de Janeiro se torna a primeira cidade que fala pretoguês a receber o título de Capital Mundial do Livro pela UNESCO.
É uma oportunidade de colocar o pretoguês no centro da narrativa — repertório vivo nas periferias, aldeias, terreiros e quilombos, atravessando gerações. Reconhecer essas vozes é celebrar uma língua plural, que pulsa, canta e se reinventa, não apenas nas narrativas literárias, mas também nas políticas públicas e na didática.
É essa língua viva — atravessada por influências africanas e indígenas, ainda tratadas como “ruído” pela historiografia europeia — que a Flup coloca no centro da festa. E te convida a celebrar junto, de 19 a 23 e de 27 a 30 de novembro, em Madureira e com entrada gratuita.








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