NÃO É LITERATURA AQUILO QUE PARA NARCISO NÃO É ESPELHO
- Flup Festa Literária

- 19 de set.
- 2 min de leitura

Por Teresa Dantas, Coordenadora de Comunicação da Flup
Paulo Freire, que hoje completaria 104 anos de nascimento, ensina que o ato de ler está relacionado com a compreensão crítica da realidade e do contexto em que estamos inseridos, e não apenas na forma e estilo que o texto é escrito. Nessa direção, Escrevivência, conceito criado por Conceição Evaristo, autora homenageada da Flup 25, costura as palavras escrever + viver + se ver. A mestra e doutora apresenta a experiência literária como uma travessia de autorreconhecimento.
A Escrevivência é, portanto, também uma literatura de reencontro. Talvez por isso seja tão difícil para uma certa crítica literária brasileira, majoritariamente branca, compreender e fruir a literatura contemporânea brasileira escrita por pessoas negras, mas não somente, é difícil conceber como literário também a literatura escrita por uma mulher nascida e criada nas periferias de Napoli, na Itália, ou de uma filha de camponeses iletrados da zona rural francesa.
Entende-se que o elitismo que força a definição do que “não é” literatura não se vale apenas de questões raciais, mas também de classe social. Talvez, para que não seja apontado como “racial” use o escudo da “classe". Alguém pode argumentar: “mas a discussão é sobre a forma”. Há muito forma na literatura brasileira, há estilos inconfundíveis, há um trabalho minucioso de escolha de palavras. Será que só não vê a forma quem não se reconhece? A literatura ficou “pobre” porque são pobres os personagens?
Dizer o que não é literatura é excluir categorias de um Olimpo. Pode ser apaixonante, insólito, original, só não pode ser literatura. O debate da forma pelo conteúdo faz parecer que não é literatura aquilo que para Narciso não é espelho, ou seja, é literatura apenas aquilo em que me reconheço. O que está em jogo são os lugares de consagração, são os lugares de privilégio, as academias de letras. a literatura precisa ser exclusiva. Portanto, pode ser muito bom, apaixonante, repito, só não pode ser literatura.
Sabemos bem que a obsessão da colonialidade está fundamentada em definir “o que é”, para excluir o que “não é". O que "não é" não tem definição. O que é uma mulher? Não é um homem. O que é uma pessoa negra? Não é a pessoa branca. O que é filosofia? O que é literatura? O que não é?
Não é para atender uma carência cultural, literária ou social que a Flup vai para as periferias, para as favelas, para os subúrbios, conectando outras centralidades, há quase 15 anos. A Festa valoriza esses territórios porque sabe que neles insurge o que há de mais genuíno, mais singular, mais brasileiro, ou seja, o mais literário.
A Flup não vai para Cidade de Deus, Babilônia, Vidigal, Providência e Madureira para fazer “projeto social”. A Flup acontece nesses territórios porque se há algum lugar de onde podemos encontrar novas formas de viver, novas formas de encantar o mundo, novos meios de criar um futuro é dali, é daqui.








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