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FLUP DESEMBARCA EM PERNAMBUCO CELEBRANDO NEGRITUDE E LITERATURA

  • Foto do escritor: Flup Festa Literária
    Flup Festa Literária
  • 1 de out.
  • 5 min de leitura
Entre os dias 10 e 14 de setembro, Pernambuco recebeu pela primeira vez a Flup. Foto: Juliana Amara (@julianaamara).
Entre os dias 10 e 14 de setembro, Pernambuco recebeu pela primeira vez a Flup. Foto: Juliana Amara (@julianaamara).

Por Rafaela Lohana


Os Altos de Recife e as favelas do Rio de Janeiro compartilham experiências semelhantes: a excelência negra, o domínio de saberes profundos atravessados pelas vivências diaspóricas e, sobretudo, a mão nordestina que ergue ideias e constrói futuros.


Neste ano, a Festa Literária das Periferias, Flup — que desde 2012 se consolidou como um dos principais encontros literários do Rio — desembarcou pela primeira vez em Pernambuco para realizar sua festa no Alto Santa Terezinha, Compaz Eduardo Campos, entre os dias 10 e 14 de setembro. Com o tema “Saberes Conectados: negritude em todos os espaços”, o festival descentralizou debates urgentes, abrindo caminhos para sonhar, repensar e, quem sabe, reencantar o Brasil que vivemos.


Entre 10 a 14 de setembro, a Flup PE aconteceu no Compaz Eduardo Campos, em Alto Santa Terezinha, com o tema ‘Saberes Conectados: negritude em todos os espaços’. Foto: Juliana Amara (@julianaamara).
Entre 10 a 14 de setembro, a Flup PE aconteceu no Compaz Eduardo Campos, em Alto Santa Terezinha, com o tema ‘Saberes Conectados: negritude em todos os espaços’. Foto: Juliana Amara (@julianaamara).

O Alto


Desde 1939, construir o próprio chão em busca de oportunidade e dignidade era o ideal entre as minorias racializadas do Recife, quando a criação da Liga Social Contra os Mocambos proibiu a construção de habitações precárias nas áreas centrais da cidade.


Esse processo empurrou famílias para regiões periféricas num movimento semelhante ao vivido no Rio de Janeiro, onde a gentrificação e o pós-abolição resultaram no surgimento dos morros como o da Providência, considerada a primeira favela carioca, e na ocupação de áreas do Recôncavo da Guanabara à Baixada Fluminense.


“Construíram suas próprias cidades, fora da cidade oficial”, disse Victor Moura,  jornalista e idealizador do projeto Redes do Beberibe, que atua na comunicação em defesa da bacia hidrográfica que banha a região. Para ele, a periferia é uma rede de solidariedade, produção de conhecimento e articulação diária entre comunidades, cada uma crescendo com suas particularidades.


É nesse contexto que, no coração do Alto Santa Terezinha, próximo ao bairro da Linha do Tiro, a Flup fez morada, acolhendo a língua portuguesa e outros saberes.


Foto: Juliana Amara (@julianaamara).
Foto: Juliana Amara (@julianaamara).

A família Trindade


Em gesto de potência, presença e futuro, a festa homenageou Solano Trindade, patrono da luta antirracista, teatrólogo, poeta e militante. Relembrá-lo foi reafirmar um compromisso com a memória. 


Seu filho, Liberto Solano Trindade, e a companheira dele, Nilu Strang, responsáveis pela rádio web Casilêoca, participaram de várias atividades durante o festival, a primeira delas com crianças e adolescentes de escolas públicas, rememorando os passos de Solano em Pernambuco antes de sua ida para o Sudeste. No encontro, reforçaram a influência da cultura popular e negra.


Na biblioteca do Compaz, entre poemas declamados, falaram sobre o “movimento Solano”, a importância de Margarida Trindade e o apagamento da presença nordestina na construção da Baixada Fluminense, território onde Solano fundou, em 1950, o Teatro Popular Brasileiro (TPB).


Cada poema de Solano é atual, porque o Brasil é o mesmo. Só que o negro de hoje é mais livre. É como uma casa sendo construída, tijolo por tijolo”, disse Liberto, provocando reflexões em quem o ouvia.


Roda de conversa com Liberto Solano Trindade e Nilu Strang. Foto: Juliana Amara (@julianaamara).
Roda de conversa com Liberto Solano Trindade e Nilu Strang. Foto: Juliana Amara (@julianaamara).

Os cinco dias 


Foram encontros diversos: autoras, autores, artistas e intelectuais se reuniram para promover a palavra e trocar experiências sobre juventude negra, ancestralidade, acessibilidade e pertencimento.

No primeiro dia, Jessé Souza e Bianca Santana, mediados por Jéssica Santos, falaram sobre políticas públicas que façam sentido para a juventude: as possibilidades de pensar uma geração economicamente e politicamente ativa, e o bem-viver como proposta de futuro para todas as pessoas.


Mesa "Sabemos a direção? Como resgatar a juventude negra" com Bianca Santana, Jessé Souza e mediação de Jéssica Santos. Foto: Juliana Amara (@julianaamara).
Mesa "Sabemos a direção? Como resgatar a juventude negra" com Bianca Santana, Jessé Souza e mediação de Jéssica Santos. Foto: Juliana Amara (@julianaamara).

O bem viver pressupõe um convívio harmônico entre todos os seres. Todas as pessoas, de qualquer cor de pele, gênero, sexualidade, mas também com a natureza, com os invisíveis, com a espiritualidade. É a constituição de uma vida possível para todo mundo, sem a produção de morte para alguns, para que todos possam viver”, afirmou Bianca.


No segundo dia, Esmeralda Ribeiro, Inaldete Pinheiro e Odailta Alves trouxeram a ancestralidade em vida. As três compartilharam as dificuldades de pavimentar o próprio caminho na literatura e denunciaram o quanto o mercado editorial pode ser “perverso”. Como disse Esmeralda: “fazemos a nossa própria rota”. Uma mesa de aquilombamento e reconhecimento de que permanecer em rede é também estratégia de sobrevivência.


Mesa "Ancestralidade em vida: construindo e abrindo caminhos" com Esmeralda Ribeiro, Inaldete Pinheiro e mediação de Odailta Alves.  Foto: Dudu Silva (@dudusilva_cliques).
Mesa "Ancestralidade em vida: construindo e abrindo caminhos" com Esmeralda Ribeiro, Inaldete Pinheiro e mediação de Odailta Alves. Foto: Dudu Silva (@dudusilva_cliques).

No terceiro dia, Carla Akotirene e Cannibal construíram um diálogo potente sobre conhecimento como alimento cultural.


“Quando a arte alimenta a nossa cabeça, a gente usa toda a criatividade em prol da nossa comunidade negra”, destacou Akotirene, escritora, pesquisadora e assistente social no SUS.

Cannibal reforçou a importância do contato com a arte nas periferias, afirmando em voz alta: “a arte salva!”.


Mesa "Conhecimento é alimento cultural" com Carla Akotirene, Cannibal e mediação de Iaranda Barbosa. Foto: Dudu Silva (@dudusilva_cliques).
Mesa "Conhecimento é alimento cultural" com Carla Akotirene, Cannibal e mediação de Iaranda Barbosa. Foto: Dudu Silva (@dudusilva_cliques).

Ainda no mesmo dia, Mãe Beth de Oxum e Pai Ivo lembraram a energia do sagrado em Pernambuco, trazendo a oralidade e a dança como ferramentas de autoestima e resistência contra o racismo religioso. Já Itamar Vieira Jr. e Vitor da Trindade responderam à provocação “a arte incomoda a quem?”, ressaltando o poder da literatura em desafiar privilégios. Trindade ecoou sua fala com o ritmo ancestral “Congo de Oro”, herança bantu que ainda ressoa nas cantigas cotidianas e caboclas.


Mesa "A arte incomoda? E a quem deve servir?" com Itamar Vieira Jr.  e Vitor da Trindade, mediação de Lenne Ferreira. Foto: Juliana Amara (@julianaamara).
Mesa "A arte incomoda? E a quem deve servir?" com Itamar Vieira Jr. e Vitor da Trindade, mediação de Lenne Ferreira. Foto: Juliana Amara (@julianaamara).

O quarto dia reafirmou o poder dos sonhos. Sônia Guimarães, primeira mulher negra doutora em Física no Brasil e primeira professora negra do ITA, refletiu sobre o peso e a solidão de ser “a primeira e a única” em muitos espaços.


A mesa com Robeyoncé Lima, primeira advogada travesti de Pernambuco e codeputada estadual, transmitiu a urgência de derrubar barreiras de machismo, racismo e transfobia.


Mesa "Pioneiras, sim! Sozinhas, não!" com Sônia Guimarães, Robeyoncé Lima e mediação de Renata Araújo. Foto: Juliana Amara (@julianaamara).
Mesa "Pioneiras, sim! Sozinhas, não!" com Sônia Guimarães, Robeyoncé Lima e mediação de Renata Araújo. Foto: Juliana Amara (@julianaamara).

Precisa se rever o conceito do que é conhecimento, porque aqui também há uma produção de conhecimento que não é acadêmica. Mas também é produção de conhecimento. O formato de vivência em uma comunidade é outro, completamente diferente, que não é ABNT, não tem laudas, não tem acompanhamento bibliográfico — mas é vivência, é oportunidade, é outro jeito de produzir saber”, reforçou Robeyoncé.


No último dia, a festa se encerrou em forma de revoada sonora com Ellen Oléria e Lucas dos Prazeres, trazendo a força do coco e dos tambores para dentro da Flup. “Eventos como a Flup precisam existir para captar olhares. É necessário conhecer para preservar”, disse Lucas.


Apresentação de Lucas dos Prazeres com participação de Ellen Oléria. Foto: Dudu Silva (@dudusilva_cliques).
Apresentação de Lucas dos Prazeres com participação de Ellen Oléria. Foto: Dudu Silva (@dudusilva_cliques).

Legado e partilha


Os batidões do corpo e da palavra se encontraram em uma linha só.


A Flup PE foi um quilombo temporário, onde vozes, tambores, bibliotecas vivas, deixaram sementes. 


Para nós, o que fica é a certeza de que a literatura e as artes continuam sendo instrumentos fundamentais de transformação social, capazes de mover cidades oficiais ou não. É claro! As expectativas se voltam para a próxima edição, de volta ao Rio de Janeiro, que acontecerá de 19 a 23 e de 27 a 30 de novembro, dando palco para  a Escrevivência brasileira e a essência caribenha brilharem.



 
 
 
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